Cultura Digital: ameaça ou evolução?

A todo momento ouvimos ou lemos que os suportes tradicionais estão com os dias contados: o jornal, o livro, o DVD e o CD estariam marcados para morrer, em função da velocidade da produção industrial atual e das práticas inovadoras que se tornaram uma imposição do mercado.  Em função disso somos forçados pelas circunstâncias a consumir cada vez mais produtos novos que superam os anteriores em qualidade, praticidade, interatividade e design.

As novas tecnologias on-line vão possibilitando a todo cidadão do mundo o acesso a informações e conhecimentos antes inimagináveis. Os suportes virtuais, de um lado, e os materiais inspirados pela nanotecnologia, de outro, vão substituindo muito rapidamente os anteriores e ampliando as formas de aquisição e fruição de filmes, notícias, músicas, obras artísticas e literárias.  São mudanças relativas à produção e à comercialização, que acarretam transformações comportamentais, aumentando muitas vezes a distância entre as gerações. O conceito de inovação instantânea e ininterrupta já faz parte do domínio público, para o bem e para o mal.

Mas realmente faz algum sentido temer essa “terrível ameaça” da cultura digital? Muitos se assustam ao pensar no projeto do Google, que está engajado em tornar todas as informações do mundo disponíveis no ciberespaço, inclusive os livros. Para outros, o melhor é não pensar demasiado a respeito e seguir adiante com o seu processo criativo. E os gigantes do mercado fonográfico que tentaram a todo custo impedir as novas formas de acesso à música inutilmente…. Afinal, haverá sempre nesse mundo espaço para tudo e todos.

Nesse sentido vale destacar uma rede de lojas na Alemanha especializada em eletroeletrônicos e produtos musicais, a Saturn. Fiquei surpreso ao observar num dos andares uma parede inteira expondo longplays, que muitos já supunham extintos e encontráveis apenas em lojas alternativas. Pude constatar que o público interessado naqueles espécimes raros não eram apenas dinossauros cabeludos e fora de moda, mas muitos jovens em busca de uma qualidade musical não mais acessível, segundo eles, nos MP3s, nos CDs, nos celulares ou na internet. O mesmo acontece em muitas cidades do mundo inclusive em Vitória, com o Clube do Vinil, por exemplo.

O próprio capitalismo se reestrutura visando a ampliar os nichos de consumo, sobretudo no tocante ao entretenimento e ao produto artístico. Sem esquecer que as desigualdades sociais e econômicas em nosso país pressupõem a convivência simultânea de diferentes épocas e, portanto, o consumo de diferentes produtos. Basta nos sentarmos em qualquer bar ao ar livre, por exemplo, para sermos assediados por inúmeros vendedores de CDs, DVDs e MP3s. Ou seja, esses suportes continuam sendo consumido por milhares de pessoas; mudaram somente os proprietários e os detentores dos lucros.

Mesmo mudando os meios e os suportes, muitas questões se mantêm as mesmas: se escrevo um blog ao invés de um livro, continuo precisando de leitores; se divulgo no Youtube uma canção, um filme ou outra obra qualquer, ao invés de utilizar um suporte tradicional, necessito de espectadores/internautas. As relações entre a obra e o seu público ainda são regidas pela mesma lógica e pelas mesmas necessidades. Mudaram apenas as circunstâncias, os desafios continuam os mesmos. E hoje mais do que nunca a criatividade e a busca para se atingir os possíveis consumidores se democratizou ampliando assim os horizontes para todos.


Fonte: Debatesemrede / POR:  Erlon José Paschoal – Gestor cultural, Diretor de Teatro, escritor e tradutor de alemão